terça-feira, 25 de setembro de 2012

Como Fazer Cinema

Por Alejandro Jodorowsky


Primeira Lição: Sentar-se do amanhecer ao anoitecer na frente de uma árvore sentindo a luz. Voltar por sete dias seguidos e fazer o mesmo.


Segunda Lição: Voltar à noite com uma lanterna e iluminar a árvore por infinitos pontos distintos.


Terceira Lição: Colocar-se a um quilômetro da árvore. Olhar para ela fixamente e avançar centímetro a centímetro em direção a ela, até que, depois de algumas horas, se choque o tronco com o nariz.


As duas primeiras lições servem para desenvolver o sentido da luz. A terceira para desenvolver o sentido da distância.


Quarta Lição: Colocar-se em um interior ou paisagem e mover-se pensando que o seu próprio peito fotografa, depois, pensando que a sua cara fotografa, depois o sexo, depois aos mãos.


Quinta Lição: Coloque-se em um lugar e sinta que você é o centro dele.Logo sinta que está sempre na superfícia ao redor do lugar. Ao final, rompa a idéia de centro e superfície. Está aí, tudo está em você e fora de você ao mesmo tempo. Você é a parte do lugar. Existe o lugar. Você desapareceu!


Sexta Lição: Procurar a cor que não tem cor. Pegue uma página branca e veja suas cores. Pegue uma página preta e veja suas cores. Veja as cores de um vidro transparente. Descubra o arco-íris em um pedaço de terra, um cuspe, em uma folha seca. Expresse a cor com materiais sem cor. Na verdade lhe pergunto, você sabe quantas cores tem a pele da sua cara?


Sétima Lição: Sinta as pontas dos seus dedos como se fossem a ponta da sua língua.Apóie as pointas dos dedos nos objetos do mundo pensando que são frágeis, que uma pequena pressão pode quebrá-los. Peça-lhes permissão antes de tocá-los. Antes de apoiar os dedos na sua superfície, sinta como penetra na sua atmosfera. Aprenda a sentir e a acariciar com respeito. Quanlquer ação que faça no mundo com as suas mãos ou corpo pode ser uma carícia.


Oitava Lição: Pense que os atores vivem dentro de um corpo como centro de uma caverna. Peça-lhes que não gritem com a sua boca, e sim dentro da sua boca. Que não se expressem com a cara, e sim com vibrações. Vivo debaixo da superfícise. A superfície do rio não se move, mas você sabe que leva a correntes profundas.


Nona Lição: Não importam os movimentos da câmera. Ela deve mover-se somente quando não puder ficar quieta. Você leva o alimento na mão. A câmera é um cão. Faça que ela siga o alimento com fome. A fome faz com que o animal se apague. Não há cão, não há fome, não há câmera. Há acontecimentos.


Você nunca pode comer a maçã inteira no mesmo instante. Tem que dar mordiscadas. Enquanto come você tem uma parte. Deve saber que o pedaço que mastiga não é a maçã inteira na boca por que por maior que seja a sua boca, não pode caber nela o fruto que é da árvore nem a árvore que é parte da terra. A tela é sua boca. Ali entram pedaços. Partes do acidente. Não tente trabalhar com planos absolutos. Não creia que existe um plano melhor. Se pode morder a maçã em qualquer lugar. Se a maçã é doce, não importa onde você começa a comê-la. Preocupe-se com a maçã, não com a sua boca.


Cineasta! Antologia de fragmentos, você também um fragmento, seu filme inconcluso, você é parte, é continuação. Não há encerramentos. Mate a palavra fim. Você começará um filme o dia em que se der conta que você simplesmente continua. Não procure o prestígio. Desdenhe os efeitos. Não adorne. Não pense o que a imagem vai produzir. Não a procure. receba as imagens. A caça está proibida. A pesca permitida.


Décima Lição: Ninca trabalhe no papel seus movimentos de câmera. Chegue aos lugares pensando que você não irá mover a câmera, que não irá mover a câmera, que não irá iluminar, que não irá inventar. Não crie cenas, crie acidentes. Não crie esses acidentes em direção à câmera. Você não está fazendo um filme, está metido em um acidente. Parte do acidente são seus movimentos de câmera.


Décima Primeira Lição: E de repente, o grande prazer. Um plano pensado com a câmera opinando com a luz artificial, com "atuações", uma verdadeira sobremesa!


De verdade lhe digo, por este caminho você pode chegar a fazer filmes de Hollywood dos anos 40. Se você quer ser um grande cineasta de vanguarda, volte a filmar "E o vento Levou", exatamente igual, com atores de corpos gêmeos aos de Clark Gable e Vivian Leigh. Se conseguir que seu filme não possa ser distinguido do original, você passou à história.

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